sábado, 17 de março de 2012

máximas poéticas, poesias mínmas

Louco é quem
sempre tem
razão.

Grandes defeitos
só ficam
bem
em pessoas grandes.

Há só uma réplica
do amor,
e bilhões de amores
verdadeiros.

Temos mais
vontades
do que força
de vontade.

O fraco que se conhece
governa
os fortes que se ignoram.

Na amizade somos felizes
pelo que conhecemos;
no amor,
pelo que ignoramos.

A religião fala toda a espécie
de língua,
e representa toda a espécie
de personagem,
mesmo o ateu.

Quando pararmos de enganar
uns aos outros,
deixaremos certamente de viver
em sociedade.

Se ama dando
o que não
se tem,
para receber o que não
existia.

A boa cópia
revela
o mau original.

A sabedoria triunfa
sobre as dores passadas
e futuras,
mas sucumbe
a uma coceira do presente.

A felicidade está em amar
e não no que amamos;
e é por ser o que se ama
e não por ter
o que os outros acham
amável.

O pior mentiroso
acaba dizendo
as maiores
verdades.

Nada se pode amar
senão
em relação
a si.

A paixão primeira
ama o amante;
a paixão madura,
o amor.

O humano não é seguro,
o seguro não é certo,
o certo não é provável,
o provável não é garantido
e
até o combinado pode ser
caro.

Antes de cobiçar,
indagar:
quem possui
é feliz?

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

tudo que eu achava que não


adeus palavra
saudades me despeço de ti
não sei se tornarei a ver
o Ser
e o Tempo
caminhar de braços
dados além dos abraços
e a minha mão em vôo solo
minhas explicações a sair
pelos cotovelos
o perdido sentido das coisas não é mesmo
para guardar
quero caminhar procurando cheiros
de metáforas
torcidos lençóis ensangüentados
nadas
vais achar
mais dor se fores
forte mesmo assim não olhes
para acasos ou desígnios
meus sonhos contaminam outras casas
que já não são minhas nem roubadas
uma lembrança que já não há
por acaso calarias o silêncio do silêncio
ou pouparias da dor o desespero?
o vazio na mesa da sala ocupa
implacável o central
e a ruas adormecem sem ti
adeus sem
palavra
Entremos.

sábado, 24 de dezembro de 2011

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cuidar da infância: um enigma contemporâneo


Até surgir a psicanálise, a infância morava num um estágio do entendimento humano pelo qual passam os objetos de existência virtual: a presença sensorial é acompanhada de retardo conceitual numa condição de pouca representação. Com os esclarecimentos e confusões advindos da psicanálise, a singularidade infantil ganhou relevância anteriormente inédita; o mundo encantado da criança mostrou ser povoado por medos, inibições do desenvolvimento, complexos e passou a se discutir abertamente o tabu da sexualidade infantil. A teoria psicanalítica, que se completou no começo do século XX contemporânea de uma era de intensa agitação política e criatividade tecnológica, conseguiu estabelecer algum conhecimento técnico acerca da criança.

A subjetividade da criança ganha o nome de infans, aquele que se constitui como pessoa enfrentando a imaturidade orgânica; tal subjetividade constitui-se como um depósito de sucessivas identificações executadas à maneira de um antropófago cujo pragmatismo não vacila em apropria-se de produtos sociais, sejam estes pessoas, coisas animais ou representações coletivas. Cada biografia particular realiza um percurso único no qual as pulsões parciais se organizam em circuitos, sendo o sujeito do inconsciente produto destas travessuras regido pela ética do ‘perverso polimorfo’[1].

Ator e autor apostado por um narcisismo absoluto que o capacita a escrutinar a validade dos ensinamentos das pessoas que freqüentam sua ambiência, o infante está obrigado a investigar, a propor experimentos, buscar parceiros para realizá-los, até que em algum momento possa depositar para si uma condição que compatibilize as representações que forja com os mundos que habita. Num segundo momento, em que se torna biógrafo de sua própria história, ele deverá acompanhar as conseqüências de seus atos, assumir responsabilidades, bem como ser recompensado por suas ações – o chamado reconhecimento social.

Ao apresentar um panorama deste sujeito, tão infinitamente mais complexo do que antes se imaginava, a psicanálise atualizou uma problemática que não poucas vezes causa horror aos adultos: as crianças dão muito trabalho na sua construção. Freqüentemente confundem-se suas reações disfuncionais com doença, muitas crianças são levadas a tratamento porque os ‘cuidadores’ (pais, tios, avós, professores, terapeutas, outros agentes de saúde, etc.) não alcançam a extensão dos problemas, tampouco as dificuldades enfrentadas pelas crianças.

Estes ‘cuidadores’ enfrentam uma série de dilemas que podem ser agrupados em três categorias: primeiramente, precisam criar um ambiente de formação protetor e ao mesmo tempo desafiante para a criança; em segundo lugar, há um conflito de narcisismos entre cuidar de si próprios e atender às exigências de um ser exigente em meio a uma sociedade em rápida mutação; por fim, há a dificuldade estrutural que se baseia numa barreira de comunicação de base: os adultos, justamente porque precisaram tornar-se adultos, esqueceram o que é ser criança.

Por que os infans de hoje são tão chatos e exigentes? Sem pretender uma resposta única e definitiva, diria que este é um daqueles casos em que, contraintuitivamente, reconhecido o tamanho do problema, a solução fica mais difícil. O mundo em que não existia a infância era mais ‘simples’, mas era mais simples porque simplesmente se reprimiam as demandas da infância, da feminilidade, das classes desfavorecidas e assim por diante. É isso aí: o mundo em que vivemos é mais complexo, mais informado e, conseqüentemente, apresenta demandas muito maiores para crianças e adultos ― mas supõe-se que estes últimos têm uma responsabilidade maior

Pais queixam-se de filhos que não são ou não fazem o que deveriam; quando a criança é muito chata quer dizer que para ela o mundo não coincide com o que precisaria ser. É preciso tornar-lhe mais agradável o mundo!
Use a psicanálise para fazer isto.



[1] Equivale dizer que opera com uma série de permissões que posteriormente serão reprimidas, p.ex.: beijar os animais de estimação, quebrar objetos, sujar-se, etc. O termo ‘perverso’ não nos deve extraviar para o fato de que este sujeito está comprometido com uma busca de sentido na construção da pessoa.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

domingo, 30 de outubro de 2011



Atrações da Caldeira d a d a Diversidade

1-Música Dj Kblo e Dj João Rocha, bandas: Boy´s Night, Pappas Palace, Anima, Nico Latinidade, Maracatu de Raquel Trindade e banda Gaza. E mais, Tag tool e Guitarrada

2-Cia de Dança de Claudia Souza, Palhaços e Teatro Jandira

3-Desfile Dasdoida em homenagem a Foucault
lançamento Revista Lowcultura e do livro Igapó de Anísio Mello, editora VALER

4-Feira solidária Bazar da Rede Ecosol

5-Alimentação: churrasco Só a Antropofagia no Une, salgados e bebidas

6-Instalações e videos de Janaina Nagata e Nídia Bastos, Playmobil em obras de Lê Machanoscki

7-Oficinas
-silk screen DASDOIDA, cerâmica de Vicente Cardia
-tear+origami João Villares e Silvia Arima
-EVGB sobre eleição de heróis de videogame com Willian JS e Geane Baccar

8- Balcão informativo da Ong Caleidoscópio

sábado, 22 de outubro de 2011

Rimbaud era zagueiro de várzea na Vila Manchester

eu sou o pirata
da cara-de-pau
eu vendo sujeitos
à razão social

consumo doses diárias
de autoajuda
o photoshop
da alma

pratico yoga pilates tai chi
maharishi moxabustão
apóio causas perdidas
como a dos ba’hái
e o Curdistão

aprendi com os autoreverses
davida
que maçã prende
mamão solta
branco engorda
preto emagrece
e que a rapadura é doce
mas não é mole
não

(por isso my brother Charles
mesmo sabendo que é abuso
antes de ir
agito e uso)

e eu o barco bêbado
dos bailões do patropi
cabra da peste
a leste
de Bucareste
tive o estalo de Vieira
o insight de Jobs
no Buena Vista Social Club da vida é Wim Wenders
... e aprendenders

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

o pintinho amarelinho


            Pois é. Já tive a cor amarelinha, a silhueta roliça e felpuda, o ar carente de bicho de pelúcia que conquista instantaneamente o coração de adultos e crianças. Imagino às vezes que ainda sou uma daquelas bolinhas de vida piante ― como as que vocês ganham em quermesses ou compram nas feiras ―, parecendo uma gema de ovo com pés, asas, olhos e bico.

            Houve um tempo em que eu era um pintinho amarelinho e a minha vida era simples e feliz andando em volta da mamãe com os meus irmãos e irmãs. Naquela época dormíamos todos bem juntos e quentinhos, exaustos de tanto brincar e empanturrados da ração que os ajudantes de Deus jogavam do céu. Sinto muitas saudades da infância, quando havia dias e noites.

            Tá certo, nem tudo foi flores, cansei de tomar na cacunda dos irmãos maiores quando me atirava sobre o farelo de milho que aparecia magicamente no chão. Havia uma ordem nas bicadas, e ela tinha de ser respeitada; os mais velhos nunca esqueciam de me lembrar disso. Apesar, e talvez por causa, das brigas, a hierarquia de então me parecia não só natural como a única possível. Crescer é que tem sido traumático.

            Mas isso foi há muito tempo. Ou não, é difícil lhes dizer exatamente, tenho a memória muito curta, além disso, o meu cérebro de galinha não permite raciocínios longos sem que os meus escassos miolos comecem a doer horrivelmente. Ainda assim, enquanto me tornava um robusto frango de crista vermelha e penas brancas, aprendi algumas coisas por observação. Por exemplo, recolhi sérios indícios de que a Indesejada vai me pegar antes dos vinte dias de idade.

            Os instintos me mantêm sempre alerta para o perigo ancestral que vem de cima na forma de duas grandes asas, porém, o que realmente sucedeu foi que, um belo dia, os alimentadores ― que supus serem anjos! ― entraram no nosso cercado, cataram a mim e aos meus irmãos pelo pescoço, e depois nos jogaram em um caixote escuro cheio de outros jovens aterrorizados berrando por suas mães. Terminava ali a parte feliz das nossas vidas.

            Girando o pescoço, para onde quer que olhe neste galpão superaquecido em que a luz artificial nunca se apaga, vejo a mesma cena estendida ao infinito: milhares e milhares de gaiolas enfileiradas. Em cada cela individual há serragem, um bebedouro, um cocho e uma barra de alumínio a toda a volta da gaiola que impede os desesperados de se machucar contra as grades. Entre uma fileira e outra, no teto, ficam as nórias, trilhos por onde somos transportados suspensos pelas patas.

            Só se entra ou sai daqui de ponta cabeça.

            Não há muita distração neste lugar. Um zumbido, que a princípio não pareceu tão incômodo, tem deixado os meus nervos exaustos; isto, somado à falta de sono e aos hormônios da comida, ofertada constantemente, me faz viver em um estado misto de cansaço, superexcitação e bulimia. Venho sentindo muita necessidade de sexo, o que na minha situação é um problema, pois o órgão sexual fica embutido; como tive as asas cortadas e o bico serrado logo que cheguei, não dá nem para dar uma catucada no bichinho. Como queria ser um marreco nessa hora!

            Um colega da gaiola ao lado, que dizia ter sido levado por engano a um abatedouro quando criança, contou-me sobre as coisas horríveis que lá se passam. Eram histórias tremendas sobre cabeças mergulhadas na água salgada, correntes elétricas paralisantes, sangrias em vivos, eviscerações e medonhas depenadeiras automáticas. Ainda bem que sumiram com ele, aquilo me fazia mal. Dois episódios posteriores, no entanto, acabaram de vez com as minhas convicções.

            Hoje me encontro entregue à amargura: deixei de acreditar que tudo que estou passando faz sentido, que um dia o castigo acaba e estou livre para andar por um amplo terreiro, onde frangas de ancas largas me facilitam a montada e posso finalmente afogar o ganso. Deus se mantém distante deste mundo de pesadelo, e aqueles a quem julgava servos dos Seus desígnios bondosos, vejo agora como demônios cuja língua articulada e violência sem limites me dão calafrios.

            Os galináceos enxergamos muito bem (disso depende a sobrevivência), o que nos dá acesso até aos minúsculos dramas da vida dos insetos. Faz muito tempo, quiçá uns bons três dias, acompanhei de perto as desventuras de uma formiga-macho; chegada a época do acasalamento, e sem acesso às fêmeas, violentou uma operária, cujos órgãos atrofiados impedem a cópula, provocando-lhe a morte em meio a dores atrozes. O alarido provocado pelos meus colegas, atiçando o agressor com furiosos cacarejos, serviu-me de lição sobre a verdadeira natureza das aves.

            Recentemente ocorreu uma alteração na rotina férrea desta penitenciária, talvez um feriado religioso; o fato é que havia menos tratadores e estes apresentavam um comportamento selvagem, distante da indiferença habitual. Os chefes não estavam. O churrasco fedorento que prepararam me embrulhou o estômago, beberam de uma água com cheiro acre e se puseram a rir e a cantar. A certa altura, abriram uma gaiola e arrancaram de lá um frangote recém-chegado, que passaram a torturar por diversão.

            O coitado foi apanhado pelo pescoço e forçado a beber o líquido malcheiroso, depois soltaram a pobre criatura completamente grogue no meio da roda. Chutavam-no de lá para cá a cada vez que se aproximava de um deles. Assisti horrorizado um dos demônios, o que tinha os olhos mais injetados, pegar um cutelo e decepar a cabeça do rapaz. O corpo dele ainda cambaleou alguns passos antes de cair no chão remexendo as patas.

            As gargalhadas daqueles sujeitos não me saem mais da cabeça. Diante disto, o que posso esperar? Mas pensemos pelo lado bom, eventual/raro leitor, você poderá saborear a minha história e a minha carne macia e anabolizada até o fim: desfiada na sopa, assada ou frita, quem sabe até mesmo poderá cravar seus bem tratados dentes no meu coração na ponta de um espetinho. Não guardo ressentimentos, não se pode culpar ninguém por ser o que é; afinal, o problema da vida é o mesmo para todos: sempre haverá por último um enigma impossível de resolver.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

um caminho sem chão


entre o poeta e a poesia existem caminhos
tempos
que ele estilhaça para sair de todos
os existentes caminhos

porque este ser tão construído
com poesia
não é da ordem do mapa
da geografia

porque um poeta busca nessa
ausência de lugar
o seu universo
único

em cada estrada que vai
de nada a lugar nenhum
procuro sempre além
do encontrável

escrevo exatamente porque
não sei
que idioma vozes margens ou veredas
me inundarão com a Vida

entrevejo uma nação
encantada
que só pode ser dita pela palavra
por inventar

e a todo poeta compete um percurso
lento e cego
que não se presta a revelações
senão esquecimentos

já que só existe uma verdadeira
ameaça
a invasão de um território único homogêneo
a anular

lá quando
os sonhos
sonham