domingo, 23 de novembro de 2008

por que não me ufano... de ser h(um)ano



Deixem-me contar-lhes uma história que está acontecendo agora mas não parece, que neste exato momento é uma não-notícia, de tão escondida que fica na pauta das notícias e crises que não têm importância nenhuma:


“Começou de novo. Trezentos e cinqüenta mil. Talvez nunca tenha cessado de fato, pode ser até que nunca vá parar; pode ser que seja este o limite do humano: a recusa em desligar o horror; não vamos, não podemos, abrir mão da barbárie por mais que protestemos o contrário, por mais que não queiramos ver o que é o duplo da civilização, ou quem é a sombra deste animal atormentado acima de tudo que sofre e faz sofrer sobre a terra. Em poucos meses, milhares de mortos e milhões em fuga de suas cidades, seus porcos, suas galinhas, as plantações de mandioca, as suas casas. Claro, existem as associações humanitárias para aplacar a má consciência. Em alguns lugares há caixinhas de donativos na saída dos supermercados e os inevitáveis shows de rock para ajudar os refugiados. Não consigo deixar de pensar isto: já são neste momento 350 mil, a continuação de um massacre ocorrido há 14 anos que vitimou 1 milhão. Repito: um milhão de pessoas mortas em pouco mais de três meses. Houve um deus a que chamaram o Senhor das Moscas, o Príncipe dos Mosquitos, porque todos os insetos do mundo eram poucos para lamber o sangue sempre fresco das vítimas humanas que besuntava sua imagem. Mas isto foi na antiga Síria, este massacre está acontecendo na África, ao vivo, neste instante, on line, Apocalypse Now! Não quero mais concertos bem intencionados, nem as tropas da ONU chegando lentamente ao ‘teatro das operações’, nem os remédios e mantimentos sendo atirados de cima de aviões Hércules; esta não é apenas uma questão humanitária. Não quero livros-reportagem de jornalistas investigativos dez anos depois, não quero filmes-denúncia, QUERO OS NOMES DE TODOS OS CANALHAS, JÁ!! Quando vi o palhaço de óculos e gravata falando na Assembléia das Nações Unidas, logo reconheci, quando vi o palhaço de uniforme militar sentado numa cadeira com a bengala de castão prateado, entendi. Eles voltaram, ou antes, eles nunca saíram de lá. São os mesmos, sempre diferentes e sempre somos nós. Matam por fronteiras que não existem, matam por deuses que não têm nome, matam por riquezas que não ficarão em suas mãos, por etnias inventadas; matam em carnificinas que vingam outras carnificinas, orquestradas por outros palhaços sanguinários chamados de heróis da pátria. Trezentos e cinqüenta mil seres humanos massacrados, estupros em massa, meninos com metralhadoras a tiracolo, adolescentes chefiando pelotões, mutilações, incêndios, lavouras destruídas ― o homem chegou. Trezentos e cinqüenta mil pessoas é a população da Islândia, é o número de pessoas que passam diariamente pela estação de Metrô da Luz. Enquanto trilhões salvam bancos e mercados, milhões de pessoas vão para a barriga do grande Moloch. Há minérios lá, no Coração das Trevas, há manganês, ouro, diamantes e agora a preciosa colombita-tantalita, necessária para os computadores e celulares que eu e você usamos. Colateral damages do desenvolvimento. Cadê a tal da ‘imprensa livre’? Então ficamos assim, vou dando os nomes dos bois que conheço e quem souber mais, fale por favor: Mr. Dick Cheney, Mr. Dominique de Villepin (bonitinho, mas ordinário) e Mrs. Mitterand, père et fils. Vamos lá, não quero pensar que a humanidade é só um bilhete de ida pra lugar nenhum. Já são trezentos e cinqüenta mil. E vai continuar.”

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