sábado, 18 de setembro de 2010

a estratégia r

Você já deve ter ouvido falar que os pobres têm muitos filhos porque são ignorantes, desinformados, não sabem usar métodos anticoncepcionais e etc., etc..

Besteira. E da grossa.

Pabulagem de gente bem nascida que acha que tem o monopólio da inteligência e sensatez, gente capaz de importar ― de lugares onde todos nascem inteligentes e sensatos ― programas de esterilização...

... de gente.

Seres humanos são, entre tantas coisas, organismos biológicos e, como tal, procuram se adaptar às condições em que vivem. Pobres têm poucos recursos, suas circunstâncias são instáveis, seu futuro, incerto.

Indivíduos e populações cujo ambiente muda constantemente reproduzem muito e investem pouco em seus rebentos. Chama-se a isto estratégia r, vale para bactérias, couves, suricatos e... humanos.

Quando o habitat é seguro, o alimento abundante e há poucos predadores, inverte-se a equação reprodutiva (prole menor, mais cuidado) e damos o nome de estratégia k.

Na época em que se passaram estes fatos eu trabalhava na EMBRAPA e percorria a fronteira Minas-Goiás a bordo de uma camioneta F-1000 vacinando o gado para deter uma epidemia de febre aftosa.

Nas grandes fazendas, com os pecuaristas alertados pela televisão, a vacinação em massa andava sem problemas; a minha missão era achar os pequenos criadores dispersos pela zona rural a noroeste de Unaí.

Cheguei com o fim da tarde a uma região conhecida como Valo do Traconhaém, onde, depois de tomar informação de um moleque a cavalo, segui mais sete quilômetros de trilha poeirenta até o sítio do ‘seu’ Benedito Pedrinhola.

Bené Pedrim, como se apresentou, me recebeu de boa mina, levantando-se da rede enquanto um enxame de filhos nos espiava com olhos curiosos e narizes ramelentos. As reses, que já estavam recolhidas no cercado, vacinei imediatamente...

... mas faltava um garrote, que Dona Emerenciana e a filha mais velha tinham ido recuperar lá pras bandas do outeiro. Esperei. Só ia sair dali com todas as cabeças imunizadas.

Assim que me vi partilhando a caninha de Nhô Bené em copos de requeijão rachados, proseando mansinho na sala da tapera sem luz elétrica. Lá fora, a criançada subia e descia pulando da caçamba da camioneta...

... numa algazarra de cem maritacas (eu só pensava se me iam escangalhar o isopor onde guardava as ampolas). Disse-me que a espera seria recompensada por um café passado na hora por Dona Ciana...

... que chegou pelo carreiro que contornava a casa por trás. Ouvimos a voz da criança levando o bicho para o cercado e um retinir de bacias de metal vindos dos fundos. Desconhecendo a minha presença, Dona Ciana chamou de lá ‘seu’ Bené:

“Marido, vai usar hoje?”

Roxo feito jambo maduro, Bené Pedrim tartamudeou constrangido:

“N... não, a causa que...”

“Antão vou lavar só os pé!”

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